10. O Estado deverá conduzir eficazmente a investigação em curso sobre os fatos relacionados às mortes
ocorridas na incursão de 1994, com a devida diligência e em prazo razoável, para identificar, processar e,
caso seja pertinente, punir os responsáveis, nos termos dos parágrafos 291 e 292 da presente Sentença. A
respeito das mortes ocorridas na incursão de 1995, o Estado deverá iniciar ou reativar uma investigação
eficaz a respeito desses fatos, nos termos dos parágrafos 291 e 292 da presente Sentença. O Estado deverá
também, por intermédio do Procurador-Geral da República do Ministério Público Federal, avaliar se os fatos
referentes às incursões de 1994 e 1995 devem ser objeto de pedido de Incidente de Deslocamento de Com-
petência, no sentido disposto no parágrafo 292 da presente Sentença.
(...)
16. O Estado, no prazo de um ano contado a partir da notificação da presente Sentença, deverá estabelecer
os mecanismos normativos necessários para que, na hipótese de supostas mortes, tortura ou violência se-
xual decorrentes de intervenção policial, em que prima facie policiais apareçam como possíveis acusados,
desde a notitia criminis se delegue a investigação a um órgão independente e diferente da força pública
envolvida no incidente, como uma autoridade judicial ou o Ministério Público, assistido por pessoal policial,
técnico criminalístico e administrativo alheio ao órgão de segurança a que pertença o possível acusado, ou
acusados, em conformidade com os parágrafos 318 e 319 da presente Sentença.
(...)
19. O Estado deverá adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias para permitir às vítimas
de delitos ou a seus familiares participar de maneira formal e efetiva da investigação de delitos conduzida
pela polícia ou pelo Ministério Público, no sentido disposto no parágrafo 329 da presente Sentença. 20. O
Estado deverá adotar as medidas necessárias para uniformizar a expressão “lesão corporal ou homicídio
decorrente de intervenção policial” nos relatórios e investigações da polícia ou do Ministério Público em
casos de mortes ou lesões provocadas por ação policial. O conceito de “oposição” ou “resistência” à ação
policial deverá ser abolido, no sentido disposto nos parágrafos 333 a 335 da presente Sentença.
Frisa-se que para além das ações a serem adotadas no que diz respeito à letalidade policial, abordou-se a
necessária participação das vítimas e seus familiares, de maneira formal e efetiva, nas investigações. Tal
ponto vai de encontro ao atual cenário nacional e internacional de maior apoio às vítimas de crimes, seguindo
parâmetros de não revitimização e participação ativa e informada.
Mazzuoli, Costa e Faria, e Oliveira (2022), na obra que aborda o controle de convencionalidade pelo Minis-
tério Público, em capítulo destinado a abordar as decisões proferidas pela Corte IDH, especialmente citando
o ocorrido na Favela Nova Brasília, narram que:
As decisões da Corte IDH não podem, portanto, ser compreendidas de modo reducionista, como resultado
da mera análise e responsabilização dos Estados por questões pontuais de violações a direitos humanos
em seus respectivos territórios. Indiscutivelmente, referidos julgados devem ser entendidos em uma pers-
pectiva muito mais ampla de proteção, na qualidade de elementos jurídicos verdadeiramente estruturantes
para os sistemas de justiça de todos os Estados integrantes do sistema interamericano de proteção dos
direitos humanos e, especialmente, para o sistema de justiça criminal do Estado internacionalmente conde-
nado. Portanto, para o alcance do propósito de concretização social das normas internacionais de que se
está tratando, é necessário que se interpretem as condenações impostas pela Corte IDH sob a dupla pers-
pectiva de (i) diagnósticos de imperfeições medulares no cumprimento das normas de direitos humanos
pelas instituições do Estado condenado, bem como das (ii) ferramentas de correção e aperfeiçoamento das
instituições de todos os Estados do sistema interamericano.(3)
No que concerne ao ordenamento jurídico brasileiro, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, a com-
petência da Justiça Militar tem previsão constitucional, ressalvando-se a competência do Tribunal do Júri
nos casos em que a vítima for civil, conforme art. 125, § 4º, da Constituição Federal de 1988. Dessa forma,
assentou a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, nesses casos, o inquérito policial instaurado
para apuração de mortes decorrentes de intervenção policial pode ser conduzido pela Polícia Civil, pois,
aplicada a teoria dos poderes implícitos, emerge da competência de processar e julgar, o poder/dever de
conduzir administrativamente inquéritos policiais (CC n. 144.919/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Terceira
Seção, julgado em 22/6/2016, DJe 1º/7/2016)(4).
Além do mais, sendo a competência para o julgamento do feito do Tribunal do Júri, estaria ju stificada até
mesmo a abertura de um procedimento investigativo a ser conduzido pelo próprio Ministério Público, tendo
em vista ser prescindível a existência de inquérito, seja civil ou militar, para o exercício do direito de ação.
Dessa feita, não há que se falar que inquéritos policiais que versam sobre letalidade policial sejam conduzi-
dos exclusivamente pela Justiça Castrense, eis que ela não é competente para processar e julgar a ação
penal.
Ainda, eventuais entendimentos que apontam para a exclusividade de investigação por parte dos órgãos
militares não poderiam ser considerados recepcionados pela Constituição Federal, sendo inclusive incon-
vencionais quando analisados à luz das decisões proferidas pela Corte IDH e normativas internacionais de
defesa de direitos humanos.
Feitas as observações referentes às atribuições para processar e julgar os casos de mortes decorrentes de
intervenção policial, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio da Resolução nº 129/2015,
também já tratou do tema, estabelecendo regras mínimas de atuação do Ministério Público no controle ex-
terno. Neste ponto, relevante anotar que as diretrizes construídas pelo CNMP estão voltadas à atuação
ministerial no âmbito do exercício do controle externo da atividade policial, não se prestando, a princípio, a